terça-feira, 6 de janeiro de 2009
O Fenômeno da Cauda Longa e o Software Público
A experiência do software público, com base no princípio da Cauda Longa, pode se tornar um espaço de continuidade dos projetos de uso e desenvolvimento de software, garantido a longevidade das soluções.
05 de janeiro de 2009 - 10h49
O jornalista Chris Anderson gosta de polemizar. Ao afirmar que "o futuro dos negócios é grátis” [1], ele desafia nada menos que o economista Milton Friedman, conhecido pela frase "não existe almoço grátis". A frase de Friedman, tamanha a sua propagação cultural, se tornou uma afirmação recorrente e um retrato da penetração, em seus diversos matizes, do sistema capitalista no mundo.
Ambas as frases são exageros, mas o avanço da humanidade necessita de extremos e de controvérsias. Friedman, da escola monetarista, justifica o estágio de financeirização da economia, e nada mais didático do que criticar aquilo que é grátis.
Já Anderson crê no avanço da economia dos mercados virtuais e recoloca o termo grátis, numa clara provocação às teses monetaristas e, também, para ser emblemático com relação ao modelo de negócios que começa a se estruturar na internet (e para os bens intangíveis) como um dos efeitos da Revolução Tecnológica e Informacional.
O que se percebeu nos últimos anos foi a tendência crescente de financeirização de todas as transações, inclusive com relação aos bens naturais, como as praias e as relações pessoais, como o marketing em rede. Tudo pode ser traduzido em valor monetário: do banho de mar ao contato com o vizinho. A atual crise dos Estados Unidos torna o tema mais visível e demonstra as fragilidades do sistema calcado na aceleração da circulação do dinheiro, uma das bandeiras da linha monetarista.
Chris Anderson, para justificar sua tese, usa o conceito da Cauda Longa, um termo criado pelo célebre economista Pareto [2]. Os estudos do renomado economista são utilizados atualmente para justificar o modelo de negócios no mundo virtual.
O conceito, quando aplicado na economia virtual que se desenvolve predominantemente no ciberespaço, sustenta explicações de como um bem com um custo de produção e distribuição elevados pode alcançar um cliente em qualquer lugar do mundo, sem que exista um custo adicional de estoque e distribuição deste bem. É o chamado "mercado de nichos” [3].
Em função da queda brusca dos custos de armazenamento e do cálculo exato dos custos de entrega, o bem pode chegar a qualquer cliente com um preço final que possibilite o reinvestimento na produção, mesmo sendo um bem com custos adicionais de exclusividade.
Assim, o fenômeno da Cauda Longa surge da evolução natural dos modelos de negócio baseados na internet que cruzam variáveis da estrutura proveniente da Tecnologia da Informação, com o mercado de nichos - com a oferta de bens exclusivos em mercados virtuais - e transações comerciais no ciberespaço.
O fenômeno em questão causa um impacto direto na lógica empresarial do lucro exponencial e imediato e a substitui por ganhar menos durante mais tempo. Embora tal fundamento não se aplique a qualquer bem ou serviço, ele tem suas vantagens quando aplicado para os bens intangíveis ou para os mercados virtuais de alguns bens tangíveis.
Embora o conceito da Cauda Longa explique a longevidade de negócios para bens exclusivos que atuam em nichos de mercado, o Software Público contribui com o modelo por uma lógica complementar. Isto ocorre em função da natureza intangível do bem software e da sua estrutura de produção e disponibilização, capaz de aproximar os dois conceitos: Cauda Longa e Software Público.
O mercado de software dá um peso muito forte a quem oferece o produto. Uma empresa pode definir quando vai descontinuar um projeto, mesmo que existam clientes interessados em permanecer usando a solução. Tal impacto se torna ainda maior para soluções que adotam licenças proprietárias, pois o desenvolvedor pode impedir a evolução e até o uso do sistema, em uma decisão que pode decretar o término de um projeto de forma unilateral.
A experiência do software público, com base no princípio da Cauda Longa, pode se tornar um espaço de continuidade dos projetos de uso e desenvolvimento de software, garantido a longevidade das soluções. Tal iniciativa pode ser compreendida como um aspecto capaz de trazer maior segurança e confiança para os usuários e, conseqüentemente, ampliar a adoção do software por atores sociais dos mais diversos segmentos.
O mais interessante para o modelo do software público aliado ao conceito da Cauda Longa é que será possível conjugá-los com outra vertente de negócios: ao invés dos prestadores de serviços se preocuparem com os ganhos imediatos, obtidos sobre o produto software e sobre o preço que deverá ser cobrado do próximo cliente, eles podem focar na melhoria do atendimento ao cliente e na oferta de um conjunto de soluções mais aderentes às necessidades do mercado.
Tal fato já foi observado em 2007, quando a Revista Computerworld publicou a notícia "Negócios em Software Público" [4]. Nesta matéria, foi possível observar o modelo de negócios do sistema de inventário CACIC. Esta primeira solução desenvolvida com base no conceito do software público foi capaz de gerar receita para 21% dos prestadores que realizaram serviços relacionados à ferramenta.
Isto significa uma mudança significativa nas relações que envolvem a prestação de serviços no mercado de software. As empresas podem focar mais na customização de soluções para o cliente do que na entrega de um produto "caixa fechada" que se proponha a resolver todos os problemas, algo superado na indústria de software. Será a mudança acentuada da venda de produtos ou licenças derivadas por prestação de serviços exclusivos.
O impacto da continuidade de projetos de software significa que o usuário poderá decidir sobre a longevidade de um projeto independente da pressão da oferta. O conceito do software público cumpre a função de garantia de continuidade de projetos e o fenômeno da Cauda Longa pode proporcionar um conjunto maior de oportunidades de negócios para os prestadores de serviço.
Importante que todos os atores percebam o seu papel no processo de retroalimentação do ecossistema,
como o cliente que retorna um erro do software, a empresa que devolve para a comunidade um código melhorado para algum cliente - apesar do seu concorrente - e o ofertante que dedica o tempo do seu funcionário para aperfeiçoar a solução, em vez de tratar unicamente da questão como uma mera redução de custos.
Isto significa, na verdade, que o fenômeno da Cauda Longa, na lógica da economia dos bens intangíveis, será definida pela oferta, pela demanda e pelos prestadores de serviços, algo que Chris Anderson, como bom provocador, pode considerar como um grande estímulo para que o "futuro dos negócios seja grátis", mas que, paradoxalmente, poderá gerar um fluxo monetário cada vez mais intenso.
Notas:
[1] Por que o Futuro dos Negócios é Grátis, Revista HSM Management, número 68, maio-junho 2008, pág. 36/48, HSM do Brasil.
[2] Cauda longa (do inglês The Long Tail) é um termo utilizado na Estatística para identificar distribuições de dados da curva de Pareto, onde o volume de dados são classificados de forma decrescente, Wikipédia. http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Cauda_Longa (acessado dia 22/12/2008)
[3] Entrevista com o jornalista Chris Anderson, por Guilherme Ravache, Revista Época, data 01/09/2006, Edição número 433, Editora Globo.
[4] “Negócios em software público”, pág.12, Computerworld, 11 de abril de 2007, número 472, Editora IDG Brasil.
05 de janeiro de 2009 - 10h49
O jornalista Chris Anderson gosta de polemizar. Ao afirmar que "o futuro dos negócios é grátis” [1], ele desafia nada menos que o economista Milton Friedman, conhecido pela frase "não existe almoço grátis". A frase de Friedman, tamanha a sua propagação cultural, se tornou uma afirmação recorrente e um retrato da penetração, em seus diversos matizes, do sistema capitalista no mundo.
Ambas as frases são exageros, mas o avanço da humanidade necessita de extremos e de controvérsias. Friedman, da escola monetarista, justifica o estágio de financeirização da economia, e nada mais didático do que criticar aquilo que é grátis.
Já Anderson crê no avanço da economia dos mercados virtuais e recoloca o termo grátis, numa clara provocação às teses monetaristas e, também, para ser emblemático com relação ao modelo de negócios que começa a se estruturar na internet (e para os bens intangíveis) como um dos efeitos da Revolução Tecnológica e Informacional.
O que se percebeu nos últimos anos foi a tendência crescente de financeirização de todas as transações, inclusive com relação aos bens naturais, como as praias e as relações pessoais, como o marketing em rede. Tudo pode ser traduzido em valor monetário: do banho de mar ao contato com o vizinho. A atual crise dos Estados Unidos torna o tema mais visível e demonstra as fragilidades do sistema calcado na aceleração da circulação do dinheiro, uma das bandeiras da linha monetarista.
Chris Anderson, para justificar sua tese, usa o conceito da Cauda Longa, um termo criado pelo célebre economista Pareto [2]. Os estudos do renomado economista são utilizados atualmente para justificar o modelo de negócios no mundo virtual.
O conceito, quando aplicado na economia virtual que se desenvolve predominantemente no ciberespaço, sustenta explicações de como um bem com um custo de produção e distribuição elevados pode alcançar um cliente em qualquer lugar do mundo, sem que exista um custo adicional de estoque e distribuição deste bem. É o chamado "mercado de nichos” [3].
Em função da queda brusca dos custos de armazenamento e do cálculo exato dos custos de entrega, o bem pode chegar a qualquer cliente com um preço final que possibilite o reinvestimento na produção, mesmo sendo um bem com custos adicionais de exclusividade.
Assim, o fenômeno da Cauda Longa surge da evolução natural dos modelos de negócio baseados na internet que cruzam variáveis da estrutura proveniente da Tecnologia da Informação, com o mercado de nichos - com a oferta de bens exclusivos em mercados virtuais - e transações comerciais no ciberespaço.
O fenômeno em questão causa um impacto direto na lógica empresarial do lucro exponencial e imediato e a substitui por ganhar menos durante mais tempo. Embora tal fundamento não se aplique a qualquer bem ou serviço, ele tem suas vantagens quando aplicado para os bens intangíveis ou para os mercados virtuais de alguns bens tangíveis.
Embora o conceito da Cauda Longa explique a longevidade de negócios para bens exclusivos que atuam em nichos de mercado, o Software Público contribui com o modelo por uma lógica complementar. Isto ocorre em função da natureza intangível do bem software e da sua estrutura de produção e disponibilização, capaz de aproximar os dois conceitos: Cauda Longa e Software Público.
O mercado de software dá um peso muito forte a quem oferece o produto. Uma empresa pode definir quando vai descontinuar um projeto, mesmo que existam clientes interessados em permanecer usando a solução. Tal impacto se torna ainda maior para soluções que adotam licenças proprietárias, pois o desenvolvedor pode impedir a evolução e até o uso do sistema, em uma decisão que pode decretar o término de um projeto de forma unilateral.
A experiência do software público, com base no princípio da Cauda Longa, pode se tornar um espaço de continuidade dos projetos de uso e desenvolvimento de software, garantido a longevidade das soluções. Tal iniciativa pode ser compreendida como um aspecto capaz de trazer maior segurança e confiança para os usuários e, conseqüentemente, ampliar a adoção do software por atores sociais dos mais diversos segmentos.
O mais interessante para o modelo do software público aliado ao conceito da Cauda Longa é que será possível conjugá-los com outra vertente de negócios: ao invés dos prestadores de serviços se preocuparem com os ganhos imediatos, obtidos sobre o produto software e sobre o preço que deverá ser cobrado do próximo cliente, eles podem focar na melhoria do atendimento ao cliente e na oferta de um conjunto de soluções mais aderentes às necessidades do mercado.
Tal fato já foi observado em 2007, quando a Revista Computerworld publicou a notícia "Negócios em Software Público" [4]. Nesta matéria, foi possível observar o modelo de negócios do sistema de inventário CACIC. Esta primeira solução desenvolvida com base no conceito do software público foi capaz de gerar receita para 21% dos prestadores que realizaram serviços relacionados à ferramenta.
Isto significa uma mudança significativa nas relações que envolvem a prestação de serviços no mercado de software. As empresas podem focar mais na customização de soluções para o cliente do que na entrega de um produto "caixa fechada" que se proponha a resolver todos os problemas, algo superado na indústria de software. Será a mudança acentuada da venda de produtos ou licenças derivadas por prestação de serviços exclusivos.
O impacto da continuidade de projetos de software significa que o usuário poderá decidir sobre a longevidade de um projeto independente da pressão da oferta. O conceito do software público cumpre a função de garantia de continuidade de projetos e o fenômeno da Cauda Longa pode proporcionar um conjunto maior de oportunidades de negócios para os prestadores de serviço.
Importante que todos os atores percebam o seu papel no processo de retroalimentação do ecossistema,
como o cliente que retorna um erro do software, a empresa que devolve para a comunidade um código melhorado para algum cliente - apesar do seu concorrente - e o ofertante que dedica o tempo do seu funcionário para aperfeiçoar a solução, em vez de tratar unicamente da questão como uma mera redução de custos.
Isto significa, na verdade, que o fenômeno da Cauda Longa, na lógica da economia dos bens intangíveis, será definida pela oferta, pela demanda e pelos prestadores de serviços, algo que Chris Anderson, como bom provocador, pode considerar como um grande estímulo para que o "futuro dos negócios seja grátis", mas que, paradoxalmente, poderá gerar um fluxo monetário cada vez mais intenso.
Notas:
[1] Por que o Futuro dos Negócios é Grátis, Revista HSM Management, número 68, maio-junho 2008, pág. 36/48, HSM do Brasil.
[2] Cauda longa (do inglês The Long Tail) é um termo utilizado na Estatística para identificar distribuições de dados da curva de Pareto, onde o volume de dados são classificados de forma decrescente, Wikipédia. http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Cauda_Longa (acessado dia 22/12/2008)
[3] Entrevista com o jornalista Chris Anderson, por Guilherme Ravache, Revista Época, data 01/09/2006, Edição número 433, Editora Globo.
[4] “Negócios em software público”, pág.12, Computerworld, 11 de abril de 2007, número 472, Editora IDG Brasil.
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